sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O REI DE AMARELO (Robert W. Chambers)

Em Janeiro de 2014, estreava na HBO a série "True Detective". Tendo como protagonistas Matthew McConaughey e Woody Harrelson, e com o roteiro de Nick Pizzolatto, a produção contava a história de dois detetives atrás de respostas sobre uma série de assassinatos envolvendo uma misteriosa seita. A série foi um sucesso de público e crítica, tanto pela qualidade das atuações e roteiro, quanto pela inovação na forma de narrativa, onde a história era apresentada em três linhas de tempo diferentes, 1995 , 2002 e 2012, de forma não linear, para que o espectador pudesse entender como foram descobertos cada pista sobre o caso e apresentar a situação dos detetives, suas famílias e os envolvidos.

"True Detective" me pegou desde sua abertura arrepiante ao som de The Handsome Family, mas o que me deixou fascinado foi o "estranho" que permeava a sua história. A série trazia um flertar com o sobrenatural, que ficava longe de transformar a história em um conto de terror ou magia, mas que a afastava da normalidade das histórias policiais normais, Isso fez com que eu procurasse saber mais sobre o roteiro e com isso soube que toda a mitologia por trás da história da primeira temporada de "True Detective" era inspirada em um pequeno livro de contos escrito por um autor que, entre contos de terror e ficção científica que inspiraram gênios do calibre de Lovecraft e Stephen King, conseguiu considerável fortuna e fama através de livros de romances que miravam a atenção de senhoras; tratava-se de Robert W. Chambers e esse livro é "O REI DE AMARELO", lançado originalmente em 1895 e que a editora Intrínseca publicou no Brasil logo após o sucesso da produção de Pizzolatto e que me senti obrigado a ler na busca de mais daquele estranhamento que senti assistindo a série.

"O rei de amarelo" é uma antologia de contos, com dez histórias que tratam de terror, suspense, maldição, ficção científica e até romance. Destes dez contos, cinco compõe, explicitamente ou em suas entre linhas, a mitologia que desenvolve o estranho universo onde um misterioso livro, homônimo ao que trás os contos de Chambers, enlouquece, perturba e amaldiçoa a vida da pessoa que ousa -lo.

Os contos que tem em comum a presença da maldição do livro, tem como primeiro "O reparador de reputações" onde o autor nos apresenta uma história que se passa 25 anos no futuro (da data que o livro foi lançado, 1895) em que o narrador conta sobre uma trama para tomar o trono da América (EUA) para si, tudo isso com a benção dos súditos do Rei de amarelo; a esse, segue "A Máscara", onde um escultor descobre uma formula que transforma todo ser vivo que a toca em uma estátua, o que acaba por ocorrer com a mulher que ama após essa ousar folhar o livro desgraçado. A terceira história é "No Pátio do Dragão", onde um jovem arquiteto busca conforto espiritual em uma igreja, após três dias de pesadelos depois de ler "O rei de amarelo" e vai percebendo de maneira paranoica que o organista o vigia e tenta se aproximar com ares de ódio, O conto que segue é "O emblema amarelo" que narra a história de um pintor e sua modelo preferida, que após encontrarem o malfadado livro, percebem que estão sendo observados por um vigia da igreja que é descrito de forma monstruosa e acabam entrando em uma espiral de loucura . Por último temos diversos trechos da suposta peça presente no livro maldito reunidos no conto intitulado "O paraíso do profeta", que fecha o pequeno deslumbre que temos do estranho universo criado por Chambers.

Se eu posso dizer algo sobre esse livro é que ele cumpriu sua missão de causar estranhamento, pelo menos em mim. Suas histórias contendo um mistura de situações e sentimentos, somadas a uma irregularidade de ritmo e ao estilo de escrita do século XIX, por vezes me deixaram confuso, mas cumpriram seu papel de apresentar um terror que busca ser como algo que não pode ser alcançado pela compreensão humana, tanto dos personagens que sofrem com a maldição, como pelo leitor que se vê envolto a situações que mal consegue conceber.
Penso que "O rei de Amarelo" seja a semente ocidental da ideia de terror que ganhou fama através dos filmes japoneses, onde os personagens são amaldiçoados e não há forma de escapar ou de redimir, pois o que lhes envolveu é maior do que eles e seu entendimento, algo que ganhou força por aqui com filmes como "O chamado", "O grito" e recentemente em "Corrente do mal".




Quanto as histórias que compõe o livro, a edição brasileira da editora Intrínseca parece acertar na disposição dos contos, pois consegue nos apresentar toda a mitologia em uma crescente através da ordem desses contos. "O reparador de reputações" me pareceu confuso a principio, pois joga o leitor sem paraquedas no meio de uma trama que mistura muitos elementos, se passando em um futuro (em relação ao livro) onde Judeus e negros foram banidos da América e os EUA lutaram contra a Alemanha pelas ilhas Samoanas, tais acontecimentos só ganham uma forma de explicação na última linha, quando a sanidade do narrador é colocada em xeque, remetendo aos contos de Lovecraft e a ideia de que uma verdade poderosa pode tornar instável a razão de quem a contempla. Já "A máscara" traz uma carga muito pesada de romantismo e tem um desenvolvimento lento, que torna quase oitenta por cento da história, muito mais uma trama sobre um triângulo amoroso do que uma história de terror e isso é bem chatinho, embora tente recupera ao final um pouco do que é apresentado como intenção inicial da história. Por outro lado, os contos "No pátio do Dragão" e " O emblema amarelo" são meus dois contos preferidos de Chambers, neles o terror da maldição do livro são muito bem demonstradas e o clima crescente de medo e insanidade muito bem desenvolvidos; posso citar por exemplo a observação paranoica e toda a descrição de fuga e pesadelo que o protagonista de "No pátio do Dragão" faz ao contar de toda sua aflição ao se sentir perseguido pelo tocador de órgão da igreja onde buscava conforto após ler o livro amaldiçoado, ou os detalhes presentes no desenvolvimento de "O emblema amarelo" e que vão sendo citados lentamente em uma espiral de loucura e desespero que envolve um pintor e sua modelo preferia após contato com o livro e o emblema amarelo; estes dois contos ainda tem em comum o final que não permite nenhuma ilusão de esperança ou redenção.

Além dos cinco contos que tratam da mitologia amarela, o livro ainda trás mais cinco que não tem ligação com nada e parecem estar presente apenas para apresentar um pouco mais do talento do escritor. No entanto entre estes, existe um que se destaca por flertar com o sobre natural e o estranho, que é o intitulado "A Demoiselle d'Ys", onde um jovem apresentado como Robert, o estranho, sai para caçar e conhece uma garota que o leva para seu castelo e apresenta seus amigos e parentes, um clima surge entre os dois e no final uma revelação surge para deixar tanto o leitor, quanto personagem de queixo caído.


Pela construção de uma mitologia que inspirou grandes escritores, além de proporcionar um estranhamento e flerte com o sobrenatural semelhante ao presente na série "True detective" considero "O rei de Amarelo" um leitura obrigatória para quem busca saber como grandes universos de fantasia e suspense são criados, que a editora intrínseca disponibilizou por um preço acessível em nosso país para se ter na estante em lugar de destaque . Uma obra de terror que utiliza de sutilizas e até futilidades para colocar o leitor frente a algo que não pode ser explicado ou se quer compreendido, uma viagem sem volta até as assustadoras torres de Carcosa e aos gelado lago de Hali, onde os céus pendem estrelas negras por de trás da lua azul, na morada da morte e das almas perdidas, onde o rei de amarelo sussurra das trevas com voz de trovão, "Horrenda coisa é cair nas mãos do deus vivo" enquanto se mergulha nas profundezas.


               Fechando com a abertura de True Detective para tirar o amargo da boca

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