quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

UBIK - de Philip K. Dick

Philip K. Dick é meu escritor preferido. Não só por ser um dos mestres da ficção científica ou por ter muitas de suas obras adaptadas com sucesso para o cinema, mas por ser uma máquina de conceitos que te levam a refletir sobre coisas que fogem totalmente de nossa realidade. É dele o livro "Androides sonham com ovelhas elétricas", que foi adaptado para o cinema como "Blade Runner" e que, usando um tom noir e futurista levanta o questionamento, ao falar sobre os androides (replicantes), se um ser feito em laboratório, que tem consciência e parece um humano, realmente é uma pessoa, ou deve ser tratado como uma coisa; é dele também o conto que originou o filme "Minority report", em que a polícia utilizando precogs (videntes) cria um batalhão pré-crime que prende e condena o bandido antes que este possa fazer o mal, nos levando a questionar sobre destino e se não existe crime, se há culpado. No entanto, mesmo entregando nas entre linhas questões de cunho filosófico e conceitos trabalhados, sempre encontrei em seus livros histórias bem amarradas, com inicio, meio e fim, onde se enxergavam claramente as motivações de seus personagens, mas não consegui alcançar isso no último livro que li do autor, UBIK que ficou na minha mente, como um livro que explora apenas alguns conceitos, mas que traz uma história que não se fecha.

UBIK se passa em um futuro onde a raça humana conseguiu encontrar uma maneira de enganar a morte, mantendo os mortos em um estado chamado meia-vida, onde, dentro de caixões congelados (chamados bolsas térmicas) que preservam seus corpos, os mortos ficam em animação suspensa (muito suspensa, já que estão mortos), com suas consciências "vivendo" em um mundo simulado e aguardando o chamado de uma próxima encarnação, podendo assim serem consultados por seus amigos e entes queridos quando estes quiserem algum conselho ou orientação de quem já se foi. Nesse futuro, a evolução da raça humana deu um passo a frente e existem algumas pessoas que possuem dons especiais, como telepatia ou precognição e, muitas destas, são utilizadas por empresas especializadas para espionagem industrial e pessoal; em resposta a isso, surgiram empresas de prudência, que utilizam outras pessoas, com dons que anulam o dos espiões, para, mediante um pagamento, proteger quem não deseja ser espionado. A maior dessas empresas de prudência é a Runciter & associados, comandada por Glen Runciter, um idoso executivo que, aconselhado por sua esposa morta, mantém um império que só é desafiado por Ray Hollis, um misterioso empresário do ramo da espionagem.
Seguindo uma pista do rival, Runciter e seus funcionários acabam sendo atraídos para uma armadilha em uma base na lua, onde acontece uma explosão e Runciter é morto, restando a Joe Chip, um avaliador e contratador de inerciais (pessoas com dom de anular os dons dos outros) investigar o que aconteceu e tentar contato com a consciência do morto, mas algo está errado, pois tudo que os cerca começa a envelhecer e regredir até quase virar pó, inclusive os próprios amigos de Chip, para os salvar e dar o tempo necessário para descobrir a verdade, surge o spray UBIK, mas antes das respostas aparecerem, a dúvida que surge é :quais seriam as perguntas certas?

O livro traz a marca de criador de conceitos geniais que deu fama a Dick. A ideia de um mundo assombrado com a presença de pessoas que podem ler as mentes dos outros e retirar seus segredos, assim como as que antecipam tudo que acontecerá e a utilização destas de forma comercial é algo fantástico e que lembra muito a ideia apresentada em "Inception", filme do diretor Christopher Nolan de 2010, onde ladrões invadem os sonhos das pessoas para descobrir seus maiores segredos; da mesma forma que a conservação dos mortos em "meia-vida" remete ao filme "abra tu ojos", de 1997, que inspirou "Vanilla Sky" de 2001, onde após sofrer um acidente que o desfigura, um jovem milionário , após passar por diversas frustrações, decide se entregar a um método revolucionário e se congelar até que no futuro, exista uma cura para o seu mal, sendo sua mente entretida em uma realidade simulada onde ele consegue tudo o que deseja, mas que começa a falhar devido a seus traumas; dois exemplo do poder que o autor tem de inspirar grandes histórias através de suas ideias e que estão presentes na trama de UBIK.

O Autor
O suspense presente na história também é um ponto positivo. Depois que os personagens sofrem o atentado na lua, a dúvida toma conta da história e Joe Chip e seu amigo Al, passam a investigar o que está acontecendo com tudo a sua volta, se deparando com situações inusitadas, como mensagens de seu patrão morto escritas dentro de pacotes de cigarros fechados ou em multas de trânsito e o mistério vai sendo revelado lentamente, fazendo com que o leitor tenha tantas, ou mais dúvidas, que os personagens da história e o ar de investigação dá folego ao livro, quando a história oscila em seu ritmo.

Outra coisa bacana é a reutilização de ideias que o autor já havia abordado em outras histórias. A principal são os precogs, pessoas que conseguem ver o futuro como se este fosse imutável, abordando uma ideia de destino; personagens como estes foram utilizados no conto "Minority report", que virou filme com Tom Cruise e que trabalha justamente com o fato que se opõem a percepção dos precog's indicando livre arbítrio e dúvida quanto a suas visões; já nesse livro, muitos dos precogs trabalham para empresa de Hollis como videntes e a personagem Pat Conley, que é filha de um casal com esse dom surge com sua habilidade e coloca mais um questionamento quanto a autenticidade do dom dos videntes, que é, se o passado mudasse, o futuro também não mudaria? Ideias fora da caixa que, mesmo expostas entre linhas, elevam a qualidade da história.



Mas mesmo o livro possuindo muitas qualidades, que são expressas pelo jeito característico do autor de contar histórias, ele deixa muitas pontas soltas e quando terminei de lê-lo fiquei com mais perguntas do que respostas, o que em muitos casos é bom, pois faz com que uma história permaneça em nossa mente e se expanda em possibilidades, no entanto, não é bem o que aconteceu com esse livro.
Na primeira parte da história, a trama parece tratar das questões relacionadas à disputa entre a empresa de prudência de Runciter e a de espionagem de Hollis e apresenta personagens e um universo que convergem para que a trama se fundamentasse nisso; mas depois da tragédia na lua, o livro sofre uma mudança gigante de direção e parte para a investigação circular de Joe Chip sobre as regressões e morte de Runciter, ignorando o desaparecimento dos Psi citados no inicio do livro e quase que ignorando totalmente Hollis, que causou o atentado. Isso acontece também com alguns personagens que surgem na primeira parte e que aparentam um grande potencial e importância, como a mencionada Pat Conley, que é apresentada como uma pessoa de dom único, que seria de mandar sua consciência para o passado e, assim, mudar o futuro e que, aparentemente, teria relevância na história mas, fora alguns fatos que são revelados no fim do livro (mas que mal afetam a trama), nem precisava estar ali, pois pouco acrescenta.

Outra questão que me incomodou, foi a descrição de como os personagens se vestiam. As ideias de costume de PKD as vezes parecem distantes demais da realidade para serem levadas a sério. Duas dessas são as descrições de como, Stanton Mick, o investidor que contrata os serviços da Runciter & associados, e do piloto do helicóptero movido a energia solar, que chega para buscar o corpo de Runciter após o atentado, se vestem. O primeiro é descrito usando calças capri fúcsia, sapatilhas rosa de pele de iaque, blusa sem mangas de pele de cobra e uma fita no cabelo branco que ia até a cintura; o outro usava uma toga de tweed, mocassins, faixa carmesim na cintura e uma touca roxa com hélice de avião (tá de sacanagem!); somando essas formas estranhas de vestimenta, que lembram um futuro pós apocalíptico dos cafetões dos filmes blaxpoitation, ainda temos a mania do autor criar palavras extravagantes para descrever os itens representados nesse seu futuro, então temos o homeojornal, os condaptos (apartamentos), os vidphones, dentre muitas palavras, que percebemos como ilustrações de algo que seria visto em um futuro distante, assim como a moda que o autor nos descreve, mas que não parecem necessárias ou sérias, ainda mais pelo fato de a história do livro se passar apenas vinte e três anos após o mesmo ser publicado (o livro é de 1969 e a história se passa em 1992) e mudanças de costume e tecnologia no porte que o livro apresenta, necessitariam de séculos.

Capa da edição da Aleph -2014
Mas como disse a pouco, o que me incomodou foram as pontas soltas. Intendo que o livro traga em si , também, uma pequena crítica ao consumismo, não é por pouco que a história começa com uma briga entre empresas e que nesse universo futurista tudo é pago, desde a porta do seu próprio apartamento (se deve depositar moedas, para entrar e sair), como a TV do escritório e nessa levada, após a "morte" de Runciter o próprio idealizador do atentado é deixado de lado e só se referem ao mesmo, para citar que ele será processado (e não por assassinato) deixando claro a sociedade materialista onde a trama se passa, mesmo com a questão da reencarnação e meia-vida, sendo um espectro dentro da história.

Esse mesmo desprendimento de atenção ao causador do assassinato, me levou a questionar quem era o real vilão da trama e quais as motivações dos envolvidos. Embora Ray Hollis seja apresentado como uma ameaça, como disse anteriormente, ele mal aparece ou pouco é citado após o incidente na lua, Pat Conley, que se mostra pouco digna de confiança e extremamente ardilosa, vai perdendo a importância no decorrer da história e quando sabemos a grande verdade ao final, percebemos que ela é uma das vítimas (e que nem sabe disso), por fim ainda temos um personagem, que aparece como uma falha no inicio e que ao final tem uma participação "deus ex machina", que ao terminar de ler, parece pouco convincente (embora seu conceito, como sempre, seja bem bacana)


Apesar de suas pontas soltas, o livro está longe de ser ruim, apenas não é o melhor do autor na minha opinião. Os conceitos que Philip K. Dick utiliza, novamente mostram o gênio que o autor era e deixam claro sua importância na história da Ficção científica, inspirando dezenas de obras desde sempre. A maneira de reutilizar ideias e transitar entre o fantástico, o trágico e cômico, ainda trazendo critica social, filosofia e um tom de suspense impulsionam o leitor a seguir adiante em sua trama; mas a forma como muitos diálogos e situações parecem incluídos, apenas para que uma ideia que poderia ser definida em cem páginas se desenvolva em mais de duzentas, cansa um pouco. De qualquer forma, UBIK é uma obra obrigatória para quem é fã de ficção científica, um texto original, que fora alguns detalhes, pode claramente ser percebido como inspiração para diversas outras obras e um exemplo da mente criativa desse escritor fantástico que foi Philip K. Dick.

Use UBIK - está em toda parte


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