quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

A FORMA DA ÁGUA (2017)

  


    Uma coisa que observo como exigência em uma história de ficção científica ou fantasia para julga-la como relevante a ponto de perder meu tempo com ela, é seu paralelo com a nossa realidade. Quando é um filme, por exemplo, não vou jogar quase duas horas de minha vida no lixo para acompanhar carros que se transformam em robôs e montam em dinossauros mecânicos para lutar por um cubo mágico! Mas se a história tiver o mínimo de conexão com os problemas sociais ou políticos de um período histórico e a trama me encantar, vou assistir até cansar e serei o primeiro a fazer a campanha a seu favor. E é justamente por isso que venho hoje publicar o primeiro post de 2018, para recomendar um filme de fantasia e que fala de solidão, diferença, preconceito e amor; escrito e dirigido por um cara fenomenal, que aguardei com ansiedade desde seu primeiro trailer e que superou minhas expectativas, trata-se de: “A forma da água”, filme do mestre Guillermo del Toro que abriu o ano me deixando quase sem ar.

"Você me tira o fôlego"
Ambientado nos E.U.A no meado dos anos sessenta, o filme conta a história de Eliza Esposito (Sally Hawkins), uma mulher muda e solitária que trabalha como faxineira em um laboratório do centro de pesquisa aeroespacial, para onde é levada uma misteriosa criatura anfíbia e humanoide descoberta na Amazônia e que as autoridades americanas pretendem usar como cobaia durante a corrida espacial. Eliza, que é responsável, junto com sua colega Zelda (Octavia Spencer), pela limpeza da sala onde a criatura fica isolada e aos poucos vai criando uma relação que passa de amizade a algo mais. Quando Eliza descobre o destino reservado ao misterioso ser, recorre à ajuda de seu vizinho e confidente, Giles (Richard Jenkins) e do inesperado apoio do cientista Bob Hoffsteler (Michael Stuhbarg) para ajudar o homem-anfíbio a fugir, mas não sem antes ter de enfrentarem toda hipocrisia e maldade personificadas na figura de Strickland (Michael Shannon) o responsável pela cobaia e que não vai poupar esforços até que as coisas sejam feitas de seu jeito.

        O filme é um conto de fadas, temperado com critica político-social e pitadas de terror (e um pouco de safadeza). Essa crítica já fica clara desde a apresentação dos personagens principais, onde o diretor subverte os estereótipos presentes nas histórias clássicas, em que normalmente temos os protagonistas enquadrados no que se aceita como padrão, e apresenta destaque e relevância a figuras para quem antes eram reservados papeis secundários. Não satisfeito com isso, a trama é ainda ambientada durante a década de 1960, os anos de luta pelos direitos civis dos afro-americanos e auge da guerra fria e, cerca a protagonista com uma amiga negra, um confidente gay e um (spoiler) espião russo como aliado inusitado, de maneira que nos remete a fuga do que sempre é aceito como padrão e ao questionamento sobre o quanto o “diferente” é por vezes, errônea e simplesmente, visto como errado e o mal que isso pode causar.

"Que peixão!"
Nessa situação de quebra de paradigma, o que mais se destaca são as figuras do mocinho e do vilão. Enquanto o “mocinho” é uma criatura anfíbia que lembra o monstro da lagoa negra do filme de 1954, ou o Abe Sapien do filme “Hell Boy” e que não consegue ao menos se comunicar com exatidão, mas demonstra empatia e gratidão; o vilão é um pai de família, com sonhos mundanos de trocar de carro e casa e, dono de sua própria moral (não muito higiênica), mas desprovido da percepção do mal que seus atos e palavras podem causar a quem o cerca, fazendo com que o expectador vá aos poucos deixando de observar as aparências físicas de ambos e se conecte com suas essências. O mesmo corre com o restante do elenco, que vão se destacando na medida em que vamos entendendo que, dentro da época e contexto em que a história se passa todos eles são criaturas tão estranhas quanto o homem anfíbio, fato que nos faz crer na motivação daquelas pessoas para arriscarem tudo pela liberdade daquele ser, que de certa forma representa a fuga para liberdade de cada um dos envolvidos.

O ponto forte do filme é justamente essa critica que a história faz ao utilizar personagens que vão de encontro ao tradicional primeiro esquadrão das tramas consagradas como protagonistas e elenco de apoio, e, utilizando como cenário um dos momentos mais duros da história moderna para assim fazer uma alusão ao momento atual de nossa sociedade, sem com isso perder o foco na trama e apresentar um filme delicado, doce e divertido. No entanto, há uma reutilização de conceitos por parte do autor, que por mais que se enxergue como sendo a assinatura do mesmo, criam a atmosfera de que muito do que se apresenta já foi visto anteriormente em suas produções.  Uma dessas repetições, que já citei acima, é a aparência do homem anfíbio, que remete muito ao personagem Abe Sapiens dos filmes “Hell Boy”, que foram dirigidos por Del Toro e que, coincidentemente (ou não) era interpretado pelo mesmo ator, o multi-maquiado Doug Jones. Outra coisa é o fascínio do diretor pela solidão, que em quase todos seus filmes, e esse não é diferente, se concretiza ao apresentar o protagonista como um Órfão, tal como ele fez em “A espinha do Diabo”, “Orfanato” e até “Hell Boy” e “Blade”. Mas essas reutilizações de temas ou similaridades com outras produções de Del Toro, não são um defeito representando no filme e não atrapalham ou diminuem a qualidade do que o diretor consegue entregar nas duas horas de fantasia que apresenta.


Fiquei impressionado com “A Forma da água” e como Guillermo Del Toro continua conseguindo falar tão bem sobre os sentimentos humanos utilizando a fantasia e a ficção científica, deixando sua assinatura (mesmo com algumas reutilizações) no roteiro, produção e estilo; mergulhando-nos (sem trocadilho) em uma trama que consegue subverter os contos de fada e falar muito de nossos dias utilizando o passado como cenário e, com isso, dando um novo fôlego ao cinema nesse início de ano e principalmente para mim, que estou cansado do mais-do-mesmo. Então, se quiser fugir de sua vida rotineira e afundar em uma fantasia repleta de critica social, romance e uma produção caprichada, não perca tempo e se atire de cabeça na “Forma da água”.